










Se as pedras da calçada falassem
Mais uma vez me defrontei com as horas vespertinas de um Junho quente,
mais quente pelo calor humano do que pelo calor climático.
Reencontrei olhares amigos, familiares, eivados de saudosismo
pelos incontornáveis indicadores que um dia tocaram a nossa intimidade.
Sinto-me um transeunte, em diáspora constante abraçado a tanta gente
que teve as mesmas angústias e dúvidas e o mesmo sonho enigmático
que levantou o sol baço, as nuvens e correntes pesadas de solipsismo,
para nos projectar, sem medos e sem reservas, na busca da eternidade.
E que sensação me percorreu, abrasivamente, a coluna vertebral,
quando reparei nas pedras da calçada que todos os anos nos dão alento,
ali mesmo à entrada, frente ao antigo e inesquecível salão de estudo,
silenciosas, em quietismo misterioso, agora amarradas com liga de cimento!
São os novos tempos, presente e passado em conversa informal,
mas em que as palavras não conseguem expressar o nada e o tudo!
E foi tanto o que ali, junto à calçada, se sentiu,
foi tanto o que a nossa alma de menino chorou,
foi tanto o que não soubemos dizer,
que, se as pedras da calçada falassem,
não haveria braços que nos abraçassem,
e toda a pedra que aqui nossas vozes ocultas ouviu,
voltaria a repetir-nos: - Vamos, nunca alguém hesitou!
Foste talhado para suportar e vencer!
E todos os caloiros que a mim confessaram sua ansiedade,
triunfaram e continuam a singrar nos seus projectos e anseios!
E eu, velha calçada,
pelo tempo esventrada,
suporte de tanto realismo, mas também de incontáveis devaneios,
redigo-te: na aurora ou no crepúsculo, o importante é a verticalidade!
Sem comentários:
Enviar um comentário