domingo, fevereiro 05, 2006

"Cabelo Meu Gentil" - Soneto de António Martins

Um Soneto escrito à mão por um dos bravos noviços de 1947-1948




Digam lá se isto também aconteceu convosco!

Evocando tempos por imagens: 1953 e 1959

Talvez alguns se possam reconhecer! É pena que as FOTOS não tivessem a precisão e nitidez das actuais digitalizadas! Claro, só havia a preto e branco e o fotógrafo não teria a técnica do punctum dos dias de hoje!

1953
Um grupo de Alunos com a presença do Senhor P.e Ribeiro, sendo Prefeito o Senhor P.e Telmo
(Ponte Nova - Vinhais)
Para ver melhor os "boinas negras", fazer Click sobre a foto.



Verão de 1959
Os "Caloiros" de 1953, já em Bragança, fizeram Acampamento em Fátima - atrás da Basílica.



Verão de 1959

Os protagonistas da FOTO anterior, agora junto à Senhora do Desterro, Serra da Estrela, em Acampamento.

Um historial dos Encontros... 1983-2005

O Emílio António Raposo Falcão, a quem foi atribuído o n.º 72 do Seminário, Caloiro de 1953-54, um dos grandes animadores dos Encontros, com o grande mérito de organização, de zelo financeiro, de relações públicas e correspondência, forneceu um HISTORIAL daqueles, desde o primeiro ano, 1983, ao ano de 2005. Uma preciosidade! Quem nunca esteve presente pode fazer uma pequena ideia do que tem sido esse regresso aos recantos de um espaço, para nós, sagrado, sacralíssimo, pese, embora, a diversidade de opiniões pessoais!

TRANSCRIÇÃO (Sic):

"Breve Historial dos Encontros dos Antigos Alunos do Seminário de S. José

de Vinhais/Bragança

1- Primeiro encontro – 1983, 10 de Setembro

Corria amena a tarde e alegre a cavaqueira. Entre dois golinhos de café e à procura de tema de conversa, uns dos circunstantes, mais versado em História e reparando que a maioria do grupo era constituído por antigos alunos do seminário de Bragança, lembrou que naquele ano de 1983, o Seminário de S. José de Bragança completava cinquenta anos da sua abertura. E desde logo lançou o repto de um encontro de antigo alunos.

Data? Pergunta um. Que fazer? Pergunta outro. E logo ali, à mesa do café foi proposto o dia, esboçado um comunicado para ser enviado aos antigos alunos e uma notícia para publicar no Mensageiro de Bragança, constituída uma comissão.

Os dados estavam lançados. O encontro foi marcado para o dia 10 de Setembro. Seguiu-se a divulgação.

Foram muitas as cartas recebidas. De assentimento umas, outras da imensa pena por não poder estar presente. Em todas um sentimento unânime de saudade e gratidão.

Desse dia e desse encontro em que estiveram presentes cerca de oitenta antigos alunos, não foi feita acta nem relatório. No entanto, alguém numa folha de papel escreveu algumas notas, resultado das intervenções de alguns na parte do programa - “A Palavra aos antigos Alunos”. Depois de alguns nomes podia ler-se:

“Alegria e emoção no reencontro”; “gratidão”; “Hábitos de amor ao trabalho”; Camaradagem”; “Se esta casa não existisse eu não seria o que sou”; “Bem conceituados no emprego pela formação recebida”; ”Avancemos mais um pouco. Não se fique em palavras”.

E logo a seguir, em letra desenhada e mais carregada:

“Interessa - Conhecer a história

- Fazer História. (Com raízes no passado, construindo o presente, com visão do futuro)”.

Em todos os presentes nesse dia ficou a recordação e a alegria desse encontro.

2- Segundo encontro - 1985

Passaram dois anos e o mesmo grupo que dera o pontapé de saída para o primeiro encontro, resolveu repetir, congregando as hostes para novo encontro. Foi escolhido o primeiro fim de semana de Setembro de 1985.

O mesmo entusiasmo, a mesma vontade de mitigar saudades antigas.

Mais uma vez Bragança foi o destino. Para o Seminário convergiram quase sessenta antigos alunos.

O cronista, com o entusiasmo, perdeu as notas tomadas e não deu à estampa a crónica do encontro.

Sabemos que a alegria foi a rodos, o entusiasmo mais que muito e ficou a promessa de novos encontros.

No entanto....

Circunstâncias da vida fizeram que o grupo promotor se dispersasse e a ideia dos encontros quase que também.

3- Terceiro encontro – Primeiro em Vinhais - 1991

Os anos passaram e num dia de Fevereiro de 1991 encontravam-se três antigos condiscípulos do ano entrado em 1953/54 em amena cavaqueira, quando um deles lembrou que naquele ano se celebravam as bodas de prata da ordenação sacerdotal daqueles que haviam terminado o curso de Seminário, começado naquele ano lectivo, propondo a realização de um encontro do curso.

E foi o bola de neve.

Esboçou-se a carta que serviria de elo de ligação entre os antigos condiscípulos e lançou-se a ideia no correio. Proposta de data, o último fim de semana de Junho, no Seminário de Vinhais. As portas estavam abertas. Queríamos propostas. Chegaram breves as adesões.

E ecos de mais anos estarem presentes. O encontro foi aberto àqueles que quisessem aparecer. Nesse fim de semana foi um rumar de boinas pretas a Vinhais. Um dos presentes até se fez acompanhar da mala que levara quando foi pela primeira vez para o Seminário.

Do encontro foi lavrada acta. Foi assim que o cronista viu e sentiu o encontro:

ACTA N.1

Aos vinte e nove dias do mês de Junho do ano da graça de mil novecentos e noventa e um, respondendo a uma convocatória recebida tarde e mal, mas a boas horas, duma equipa auto-eleita, reuniram-se no antigo Seminário de S.José de Vinhais a que deram o nome novo de Nossa Senhora da Encarnação, cerca de quarenta e tantos antigos alunos que, vendo-se livres das almas dos outros, das mulheres, dos filhos, dos chefes, dos negócios e doutras amarras com que a vida se vai urdindo, pintaram a manta, durante dois dias, em muitos e variegados tons...

As primeiras aves de arribação enfiavam euforicamente pelo átrio da igreja, curvavam à direita e ficavam de bico entalado na grade azul duma porta fechada que dava para uma capela em projecto.

- Agora é por ali.

Era um jovem entroncado a dar aos trinta e poucos, camisa curta axadrezada, calças de ganga a meia limpeza, ténis a condizer e barba rija de segundo dia.

Não era o porteiro!...

- Antigamente, sr. Reitor, esta entrada dava para o recreio...

- Mas mais antigamente ainda era a entrada principal do convento. Apenas restaurámos.

Que indignação e que revolta ao penetrar nos claustros!

- Que é isto, sr. Reitor?...

- Exactamente o que estão vendo. Nesta fase do restauro apenas foi possível arrancar o cimento, repor o tanque e replantar o jardim. O alijamento da cobertura metálica terá de ficar para a fase seguinte.

O franciscano silêncio ia-se diluindo no burburinho quente dos que iam chegando. A maior parte vinha só. Alguns, porém, vinham em casal. Houve até quem trouxesse a ninhada... E abraços de partir costelas iam rebentando pelas arcarias graníticas como morteiros a anunciar estrondosa romaria.

De cá para lá; subindo e descendo; entrando e saindo; rindo e palrando... iam ressurgindo pedaços das nossas vidas que por ali deixámos...

- Era ali a minha cama;..

- E aqui a minha carteira...

- Que turra contra este pilar!

- E que surra junto deste quadro preto!

Juntavam-se os pedaços; reconstituíam-se as cenas; animavam-se os personagens.., e ai vai o reitor, corado e anafado, a pigarrear corredor fora com o regulamento debaixo do braço...e o Director Espiritual sempre perdido num labirinto de redundâncias quando tinha de nos falar daquelas coisas da nossa idade... e os perfeitos acima e abaixo com um olho em nós e outro nos salmos... e o enfadonho ros-a, ros-ae do Zenoni...e a gostosa alternância chicharos-garbanços... e a barra e a berlinda e a pelota e o futebol e a bilharda...e a "salve regina" ensonada no fim de cada dia...e aquele decoroso deitar à seminarista de despir as calças sem deixar ver as ceroulas...e a Ponte Nova e o Santo António e Rio de Fornos e a Cidadelha...e o magusto de Novembro com bebedeira de vinho ou barrigada de medronhos. ...e o teatro do Carnaval...e a festa de S.José...e o suave mês de Maria "aceitai estas florinhas ó Virgem pura cecém"...e o passeio grande...e as férias...e a festa do 1.ºde Dezembro com prémios para os barras...e..."dlêm,dlêm,dlêm,dlêm,dlêm..." e aquela maldita cabra, hoje, como há quarenta anos abarrancar-nos e a destruir os nossos sonhos...

Ainda lá estava no mesmo sitio. Mas estava mais velha, mais feia e mais roufenha. Era bem feito. Bruxa peçonhenta, reles, ordinária. Bem feito?...

- Que fez à cabra, Sr.Reitor?

- Ratchou-se.

- Pois, senhor Reitor, queremos cabra nova para o ano que vem.

Meiga e afinadinha.

E logo ali se fez uma generosa colecta.

O austero refeitório estava lindamente decorado para nós.

Rezou o sr.Bispo D.Manuel; pediu desculpas antecipadas o sr.Reitor após as boas-vindas oficiais; e num silêncio transgredido aqui e ali, alguém abriu o Manual do Seminarista lendo do capítulo do "Refeitório", elevadas considerações para espiritualizar um acto tão material como este de alimentar o "burro"..."É na mesa e no jogo que os homens se conhecem". E ainda todos aspirávamos o místico perfume de tão sublimes pensamentos quando um cheiro forte a chícharos cozidos com bacalhau inundou todo o refeitório e impregnou as narinas de cada conviva.

Palmas estrondosas acolheram as travessas abarrotadas, os que as traziam e o Padre ecónomo que fechava o cortejo. Cheiravam e sabiam tal e qual como no nosso tempo. Ou era uma ilusão?

E através dos chícharos, do centeio e do vinho íamos reconstituindo rostos, histórias e vidas.

- Tu não és o?...

- E tu não és o?...

- Nunca mais te enxerguei, piolho raquítico.

- Nem eu a ti, gamboas desengonçado.

- Aquele careca não será o?...

- O apodrecedor de chiragões com os noturnos dilúvios...

E comia-se, recordava-se,vivia-se; sem pressas, sem relógio, ao ritmo natural do tempo; e o rumor engrossava, esgueirava-se porta fora, ecoava nos claustros como naqueles domingos de "Deo Gratias". não era aquela algazarra com timbres de soprano e contralto. Era grave, castanha, adulta. Mas os timbres brancos e azuis de antigamente estavam na memória do tecto e das paredes. E do encontro do antes e do agora soava na alma de todos a maravilhosa cantata da vida. E nesta cantata de fundo, outras personagens ressurgiram e se cruzavam: o gnomo sueco às cavalgadas nas asas da pata brava; aquele modelo de colegial americano que era o Tom Playfer; e aqueles seminaristas que se chamava João Bosco, João Berckmans, Estanislau Kostka...

O café da Avenida transbordou. Pareciam agastados os pacatos frequentadores.

- P'ra mim, bica com um cheirinho!

- Pois p'ra mim, bica bem perfumada!

- Eu?... uma cevadinha.

- Burro morto...

- Cevada ao rabo!...

- Quem paga sou eu.

- Fui eu que pedi.

- Mas fui eu que mandei.

- Aqui ninguém paga nada!.

Quem assim falou não era gago. Era antes um entroncado cidadão todo vestido de seminarista de primeiro ano com gorra e tudo.

Hoje é pessoa grada na terra. E assim aconteceu.

- E agora - disse o mesmo - ala p'ra excursão que a carrinha já chegou.

E acomodámo-nos todos no miniautocarro como enxame num cortiço.

- Rio!

Foi a primeira etapa da peregrinação aos lugares santos dos nossos passeios. O seminário destacava-se ainda no casario moderno plantado à sua volta.

"Ai seminário" - cantarolou um.

A tempo e sem hesitações, como se uma batuta invisível estivesse a reger, todos prosseguiram a plenos pulmões:

"Meu santuário

Nunca te hei-de olvidar.

Quero em meu peito

Teu nome gravar".

Estremeceu o coração de cada um. E o autocarro estremeceu com os corações de todos.

E não mais parou o canto naquela excitante tarde.

Ponte Nova. Uma pausa para reconstituir os famosos campeonatos de berlinde.

Rios de Fornos foi a seguir. Estava lá o nosso primeiro mestre de música.Cantámos-1he a primeira das canções que ele nos ensinou. E bebemos do seu vinho puro, fruto da videira e do trabalho das suas mãos.

Finalmente Santo António. E lá sim, foi o bom e o bonito. Um forrobodó!

O concerto começou quando uma excursão minhota encabazava o resto do almoço. Foi a Plaina, o Ukaidi, a linda Primavera...Timidamente chegaram-se a nós os da excursão. E nós afoitamente avançamos para eles.

-"Ou tânho ali ua concertina...”

- Pois venha a concertina e os cavaquinhos e mais estas belas minhotas que a gente está sem mulheres.

- Têm lá quatro!

- Mas têm-dono. E que donos mais ciumentos!

E com modinhas do Minhoto modinhas de Trás-os-Montes armou-se ali um pé de dança que mais parecia um arraial de Agosto.

Um que sempre teve a mania de ser místico e ter visões Jurou a pé firme que Santo António e o Menino desceram do altar e vieram espreitar pela frincha rindo-se como uns perdidos...

E viva o Meinho! E viva Trás-os-Montes.

Depois do jantar entrámos na igreja. Queríamos ver o restauro. Apreciou-se. Comentou-se. Opinou-se. Alguém entoou então a Salve Regina. Foi um silêncio de segundos. Um silêncio confrangedor. Como se um terramoto abalasse os muros másculos daquele austero templo. E o canto prosseguiu seguro, dinâmico, afinado como se sempre tivesse sido cantado ao longo destes trinta e cinco anos. O mesmo vidente afirma que a majestosa Senhora da Encarnação sorriu lá no alto da tribuna e limpou discretamente duas lágrimas à fímbria dourada do seu manto...

Ao lusco-fusco começava, na vila, o arraial de S.Pedro.

Nós, no recreio de baixo, sob a latada que guardava tantas das nossas confidências e as confidências de tantas gerações, reunimo-nos também para um serão arraial.

As cepas ainda eram as mesmas; o pórtico de granito que as sustentava também. Mas faltava o murmúrio da bica cuja nascente, irresponsáveis cabeças desviaram para um tanque de cimento ali mesmo ao lado. Quem manda aos padres ser arquitectos de pedras se eles foram formados para arquitectos de almas?...

Deviam ser nove horas. Sentados frente a frente e iluminados apenas pelo brilho das estrelas começámos a falar de nós e dos caminhos descobertos e percorridos. Depois nasceu o diálogo, e do diálogo surgem traumas, culpas, ressentimentos ainda vivos, feridas que o tempo não sarou, mal entendidos nunca esclarecidos... um exame de consciência colectivo que libertou, serenou, purificou a consciência de cada um.

E depois da reconciliação, a festa. Com queijo e chouriço e presunto e centeio, e vinho e cerveja; e com anedotas subtilmente condimentadas devido ao mau funcionamento dos diversos estômagos, fígados, vesículas e tensões arteriais...

Falou então o reitor. De si e do seminário. E nós falámos da nossa eterna gratidão.

Duma gratidão que não queríamos de modo nenhum confinar ao espaço íntimo do coração, mas que sentíamos necessidade de exteriorizar em gestos significativos. Daí os projectos: de novos encontros, da Associação dos Antigos Alunos, dum empenhamento no restauro do seminário, com um dízimo anual de mil escudos.

E eram três da madrugada. A orvalhada de S.Pedro obrigou a retirar. Antes de deitar, uma "travasseirada" para fazer gostinho. Coisa de cinco minutos. E nas mesmas camas de há trinta e cinco anos nos deitámos para sonhar sonhos sonhados sem pesadelos nem insónias...

Na manhã seguinte, a cabra não berrou. Também a cabra contrita e reconciliada. Foi um levantar preguiçoso, descontraído, relaxado. Apenas gargalhado por um assarapantado Deo Gratias ao Benedicamus Domino imaginário dum perfeito imaginário, berrado detrás dum biombo também imaginário. Uma coisa, porém, todos haviam esquecido: a mística técnica de vestir as calças ao saltar da cama. Talvez por causa do pijama que agora todos usávamos e que naquele tempo era excepção tão rara como sempre o foi o trevo de quatro folhas.

As onze, todos na igreja para o ensaio. Queríamos missa. Com incenso. Com acólitos. Com gregoriano. Não foi fácil o consenso. Porque todos queriam tudo. Mas foi uma missa muito serena. Muito vivida. Muito comungada com lágrimas escaldantes.

Presidiu um dos nossos que já é cónego. Incensaram e acolitaram à civil três que noutros tempos tiveram o mesmo oficio mas que não conseguiram enfiar-se nas velhas batinas vermelhas e roquetes de renda.

Cantámos, no fim, o "S.José a teus altares" embora informados de que ele já não é o responsável da casa. O mesmo vidente voltou a afirmar que S.José conseguiu controlar as suas emoções, mas que se viu em palpos de aranha para conter a excitação do Menino. Que todo Ele era trejeitos para saltar do colo do pai e vir passear-se para o meio de nós.

Para o almoço, ainda chegaram mais. Coisas e loisas os tinham impedido de chegar antes. E mesmo assim ainda tiveram de suspender outras para poderem estar. E fizeram-no sem pena nem remorsos.

Foi banquete este almoço de Domingo. Pelo arranjo, pela comida, pelas pessoas. Além de nós e dos da casa havia convidados. Nada desdisse. Tudo certo no momento certo com pinceladas de requinte. A seu tempo, o champagne. E com o champagne, os brindes. Brindes improvisados. Brindes inflamados. Brindes aplaudidos. E a tarde sumia-se. E eram horas de partir.

Todos na escadaria do seminário para uma fotografia de grupo.

E mal disparou o flash, dispararam também os abraços de despedida.

- Até p'ró ano.

- Cá estaremos, se Deus quiser...

E não havendo mais nada a notar, assino esta acta que acabei de lavrar no primeiro de Março de mil novecentos e noventa e dois, juntamente com a equipa coordenadora.

Joaquim Leite

Silvério Pires

Emílio Falcão”.

<>Mais palavras para quê? Gostaria apenas de acrescentar duas coisas.
<>A primeira - foi decidido nesse dia, por unanimidade e aclamação, que o encontro dos antigos alunos do Seminário de S. José Vinhais/Bragança, se realizaria todos os anos no último fim de semana do mês de Junho.

Segunda – anexar o programa do encontro. Anexo 1

4- Quarto encontro – segundo em Vinhais- 1992

Como ficara decidido no primeiro encontro em Vinhais, realizou-se no ano seguinte o segundo, com o mesmo entusiasmo e alegria.

Desse encontro deixamos a acta do cronista desse ano, o Virgílio Vale, que transmite com clareza e realismo o que no mesmo se passou, ei-la:

Acta

“São as nove horas da noite, deste lindo dia vinte e oito de Junho de mil novecentos e noventa e dois e acabo de chegar a casa, proveniente das longínquas paisagens vinhaenses. À minha espera estavam os meus mais-que-tudo, algo ansiosos por me verem regressar e curiosos das "novas" da minha estadia nesse recanto de sonho, numa encosta virada a sul nas faldas da Serra da Coroa.

Mesmo sendo hora tardia e sentindo-me moído da longa viagem, não tenho outro remédio que não seja satisfazer a sua ânsia, fazendo a narrativa dos dois dias de ausência, passados no SEMINÁRIO de Vinhais.

FOI ASSIM ...

No Sábado, dia 27 e a partir das onze horas da manhã, começaram a chegar os companheiros de jornada. Uns vinham sorridentes, cumprimentando-se mutuamente, outros menos efusivos e olhando intrigados para os que surgiam pela frente, num jogo de adivinhação, tentando reconstituir aqueles rostos algo estranhos, encimados por cabelos grisalhos ou por luzentes calvícies!•••

- Tu és o ••• deixa cá ver ...deixa cá ver...

- E tu? Pareces o... Não pode ser!

Que expressões de espanto e de alegria... que abraços efusivos...que gargalhadas sonoras...que saudades imensas desfeitas num xi-coração aguardado há trinta ou mais anos ao reconhecermos o colega e o amigo da nossa infância!...

E seguiu-se a conversa, invariavelmente. Deram-se notícias de todos estes anos volvidos, contaram-se novidades, falou-se do antigamente, de colegas ausentes, de Professores...O Dr. Formariz estava de novo connosco, o Sr P.e Telmo também viria, bem como o P. Gomes. Recordaram-se cenas dos recreios, do refeitório, dos passeios, das aulas... enfim, um rosário de recordações antigas mas sempre presentes no nosso espírito e avivadas agora ao longo de amena e saborosa cavaqueira.

O tempo escoou-se veloz e fomos interrompidos pelo som estridente da nova "Cabra", adquirida com as ofertas dos romeiros do ano passado. Lá estava ela no seu nicho originário, sobranceira à antiga porta de entrada para o claustro, ao fundo da igreja. A "Cabra" chamou e, obedecendo-lhe, dirigimo-nos para o refeitório onde nos esperava o ALMOÇO.

Tinha bom aspecto e muito melhor era o paladar do churrasquito, a começar pelo saboroso presunto, servido de aperitivo. Comemos apetitosamente, após a bênção da mesa pelo Sr. Reitor e o inefável "Benedicamus Dominum... Deo gratias"!

A conversa animada e os comentários oportunos continuaram. Foi então que a rapaziada tomou conhecimento de que dois companheiros e bons amigos - o Leite e o Cadavez - se encontravam hospitalizados e impossibilitados de animarem o encontro com o seu dinamismo e boa disposição. Rápidas melhoras, caríssimos.

Terminado o lauto repasto, formaram-se grupos que, livremente e a seu gosto, escolheram o destino do seu passeio pela tarde fora. Era afinal, o tempo de matar saudades de qualquer recanto mais presente na memória do cada um.

E deu-se o regresso. Conversava-se animadamente no exterior, quando começaram a ouvir-se incitamentos para a adega. Que bom aquele folar!••• e o presunto...e aquela "molhinha" (como se diz em Vinhais) colhida da torneira da pipa, saborosa que só visto! Só experimentando

se valorizam os sabores simples que a natureza nos proporciona, em ambientes rústicos de um bucolismo sem igual.

Pelas vinte horas soou de novo a "cabra" e, obedientes, lá fomos dirigindo os nossos passos para o refeitório. Esperava-nos uma "chicharada", de caras com caras, bem regada de azeite e acompanhada por postas do "fiel amigo".

E foi a hora de conversar novamente, seguindo para o salão de estudo onde se cantaram umas canções. 0 dia estava a terminar e o grupo dispersou, indo uns para suas casas, outros para a camarata e outros ainda até à Vila, a espairecer um pouco das emoções desse primeiro dia do reencontro. O sono veio, fizeram-se as camas e cada qual procurou o aconchego dos lençóis, numa tentativa frustrada de passar a noite dormindo. É que um grupo tresnoitou e veio pôr em reboliço os dorminhocos e, para remate, não faltaram "trombones" ao longo da noite, emitindo música monocórdica e nada embaladora para quem sonhara dormir!...

Enfim, a aurora despontou e os primeiros raios do Sol vieram beijar-nos suavemente através das vidraças transparentes. Era o início de um novo dia que iríamos viver intensamente. Foi o pequeno-almoço e um curto passeio pela "Cerca", debicando carnudos e saborosíssimos morangos. Éramos poucos nessa altura mas, depois de regressarmos aos claustros, grupo foi engrossando. Tanto assim que, por volta das dez horas, se deu início ao ensaio dos cânticos para a Santa Missa.

Foi celebrante o Ver.mo Cónego Silvério que, na altura própria, dirigiu sentidas e oportunas palavras sobre o significado desta romagem por todos levada a cabo. Fizeram as leituras o Manuel Joaquim,o Ernesto e o Gouveia. Cantou-se afinadinho sob batuta do Virgílio. Imagine-se que cantámos o "Agnus Dei" dos Defuntos!... Finda a Eucaristia, mais uns dedos de amena cavaqueira e, pela última vez, fomos chamados ao "cenóbio" pelo já familiar dlin-dão da "cabra" amiga!

O grupo crescera mesmo a valer e, à volta das mesas convidativas, banqueteámo-nos sessenta ou mais companheiros desta jornada inesquecível. Voltou a haver presunto, mas havia também camarões; depois foram as trutas "ali de baixo"; em seguida, os chichorros saborosíssimos e a puxarem pela pinga; e foram os discursos de alguns e as cantigas de todos a animarem o convívio. Leram poesias o Gregório e o Gouveia; falaram o Toni, o Garcia, o Mina, o Falcão, o Sr. D.Manuel e, por fim, o Sr. Reitor a quem deve ser dirigida uma palavra pelo acolhimento – OBRIGADO. Coordenou as intervenções o provocante Manuel Joaquim...

E foi o fim com a ida ao café. Era uma festa a terminar e a servir de prelúdio a uma festa ainda maior a ter lugar no próximo 26 de JUNHO de 1993 - 26 de JUNHO de 1993.

Tinhais,28 de Junho do 1992

com amizade

VALE!

Juntamos uma poesia do Manuel Gouveia de incentivo à Comissão Organizadora, que vai premindo o botão da campainha da memória.

À FORMOSA EQUIPA COORDENADORA

DE LONGE TE SAúDO E A TI ME INCLINO,

Ó TÃ0 FORMOSA EQUIPA COORD'NADORA,

PORQUE ME DÁS LEMBRANÇAS DE MENINO,

NUMA ELEGÂNCIA FIRME E SONHADORA!

EM TUDO O QUE TRANSMITES ME FASCINO.

TUA MENSAGEM SEI CONCILIADORA.

TU CHAMAS BEM MAIS ALTO DO QUE O SINO

QUANTOS CAMINHAM LONGE, MUNDO FORA!

NÃ0 FORAS TU E EU NÃ0 RECORDARIA,

COM ESTE PORMENOR, O DIA A DIA

DE TANTAS E LONGÍNQUAS AMIZADES,

EQUIPA COORD’NADORA, EU TE SAÚDO

EM MAIS UM VERSO E ASSIM ME FICO MUDO;

NÃO DEIXES DE CHAMAR! CONTA SAUDADES!

Tires, 18 de Março de 1992

Sempre ao dispor e amigo como sempre;

Anexamos, em papel, cópia do programa desse ano.Anexo 2

5 - Quinto Encontro – 1993

Cumprindo-se o determinado, no último fim de semana de Junho, dias 26 e 27, convergiram para Vinhais, mais uma vez, os antigos alunos do Seminário.

Decorreu animado o encontro, com algo de novo, já que, como todos os anos, alguém de novo aparece pela primeira vez.

O cronista fez chegar até nós o seu relato.

Acta n.º3

Aos vinte e seis e vinte e sete dias de Junho de mil novecentos e noventa e três, no Seminário de S. José, em Vinhais, reuniram cerca de cinquenta antigos alunos do Seminário, alguns acompanhados pelas esposas e filhos, com a finalidade expressa de confraternizar e celebrar acontecimentos longínquos no tempo mas sempre vivos na memória.

Pela manhã do dia vinte e seis, o encontro foi marcado por uma enorme alegria, às vezes, uma enorme surpresa; "Há tanto tempo que não nos vemos! Por onde tens andado, rapaz?"

Após a concentração, seguiu—se um passeio pela cerca com assalto aos morangos. A tarde, em grupos, o tempo foi-se escoando, numa animada deambulação pela vila ou saudável conversa à mesa do café.

Ao jantar, o Virgílio e o Mesquita saudaram os presentes e lembraram ausentes, entre eles, o Cadavez, falecido há pouco tempo; e o Leite, internado num hospital em Paris, a recuperar de uma operação muito complicada.

Com ensaios para a missa do dia seguinte, e entre fados e guitarradas, a noite cresceu imenso. Quase sem se dar por isso, sobreveio o ressonar na camarata, como indicador primeiro da presença de "sólidos" elementos.

O sol já ia alto. Manhã fora do dia vinte e sete, foram chegando mais e mais: "É a primeira vez que aqui venho, desde há uma data de anos, era, então, um miúdo"; "Como tudo está modificado!"; "Tudo parece mais pequeno!".

Caras "desconhecidas" mas que se iam revelando, á medida que a conversa avançava. E de que maneira se conversou!

Toque para a missa. A igreja cheia, o coro preparado, o Cónego Silvério a começar: "Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". "Amen".

No coro, solene, sobressaiam os barítonos, vozes preparadas, experientes; no altar, o celebrante falou da fraternidade, do reencontro, do bom acolhimento do povo transmontano.

Findo este reconforto espiritual, seguiu—se a sessão de fotografias: a cada sorriso, um flash"; a cada "flash", uma pose estudada. Tudo bem.

Após o almoço, em que pontificaram o presunto, o camarão e as trutas do Tuela, várias foram as intervenções, cujas mensagens procuraram levar—nos, pela recordação, a um maior empenho em mantermos um espírito de união e fraternidade.

O Mesquita começou por dar as boas—vindas, mencionando as presenças especiais do Sr. D. Manuel, antigo bispo de Silva Porto, do Sr, Padre Teimo, antigo professor do Seminário, e também a presença do Sr. Reitor do Seminário.

Referiu-se ainda ao esforço da Comissão Organizadora, não deixando de mencionar o trabalho desenvolvido pelo Cónego Silvério e, sobretudo, pelo Emílio Falcão. Lembrou também as bodas de diamante do Seminário, que ocorrerão em mil novecentos e noventa e cinco; e pediu aos presentes que fosse dada uma maior projecção cultural a estes encontros.

Falou, em seguida, o Sr. Padre Telmo para recordar a sua vida como professor no Seminário, contar-nos alguns episódios desse tempo e, fundamentalmente, para nos dizer que gostou muito dessa experiência, afirmando que nunca encontrou um rapaz mau; que, para ele, todos os rapazes são bons; os educadores é que têm de saber lidar com eles. Terminou com votos de bênçãos para todos.

Foi dada depois a palavra ao Manuel Gouveia que, a propósito dos setenta e cinco anos do Seminário, apresentou a seguinte proposta, tendo como objecto o desenvolvimento de trabalhos em prosa, poesia, desenho, pintura ou escultura, todos subordinados a temas relacionados com o Seminário;

Um - Quem estiver interessado em participar em qualquer daquelas modalidades, deverá inscrever-se junto da Comissão Organizadora, indicando a modalidade e o tema escolhidos;

Dois - Os trabalhos literários sejam entregues à Comissão, de preferência até finais do ano de mil novecentos e noventa e quatro; os restantes trabalhos até dois meses antes do encontro de mil novecentos e noventa e cinco;

Três — A Comissão Organizadora diligenciará para que a publicação dos trabalhos literários esteja concluída também até dois meses antes do referido encontro de mil novecentos e noventa e cinco;

Quatro — Nessa altura se proceda à divulgação dos trabalhos por todos os ex-colegas aos quais se proporá a sua aquisição;

Cinco — Neste encontro de mil novecentos e noventa e cinco, seja feita a entrega do produto da venda á Comissão Organizadora para lhe dar o competente destino;

Seis - Entre outros, possam ser tratados estes temas:

O Seminário; O primeiro dia de Seminário; A distribuição dos livros; Os recreios; Os passeios; A rouparia; O estudo; A camarata; O início de um dia de trabalho; O fim do dia; Os jogos florais; As festas; A primeira batina; No refeitório; O barbeiro; O desporto; O Inverno nesta casa; Nos dias de neve; O "Deo Grafias"; Iniciativas — Propostas de mudança.

Sete - Os trabalhos literários não ultrapassem cada um as três páginas, não só para se dar oportunidade a um bom número de colaboradoras como também e, por isso, para que a colectânea não se torne extremamente longa.

Feita a proposta, seguiram—se intervenções para pedidos de esclarecimento, tendo então ficado assente que, para tal, seria contactada a Comissão Organizadora, já de posse da proposta apresentada.

Usou, em seguida, da palavra o Cónego Silvério para nos contar como nasceu a iniciativa destes encontros, na altura em que, com os colegas de curso, celebrava no Carmelo, em Moncorvo, as Bodas de Prata da sua ordenação. Fez votos para que, na celebração dos setenta e cinco anos da vida do Seminário, todos possamos estar aqui reunidos; e, numa festa de família, de velhos companheiros, despida de todo o formalismo, contar, entre outras, com a presença do Sr. Padre Teimo e do Sr. D. Manuel.

O Artur Gouveia, após apreciação das palavras do Sr.Padre Telmo, fez um pequeno depoimento sobre a sua vida e atribuiu a S.José o facto de ainda poder encontrar—se ali, naquele convívio.

O Álvaro Carvalho, depois de referir o Padre Telmo como tendo sido um óptimo professor, afirmou que voltou ao Seminário quase ao fim de quarenta anos de ausência; que lhe era grato estar ali para recordar os velhos companheiros e agradeceu por este momento que lhe foi proporcionado.

O Albérico Lopes recordou a educação recebida nesta casa, apontando diferenças entre a época que vivemos e a de há quarenta anos. Contudo, não deixou de reconhecer que tal educação marcou pela positiva, que o que somos a esta Casa o devemos, que as nossas reuniões não terão significado, se não forem feitas aqui; e concluiu perguntando por que razão não estavam ali ex-colegas com menos de quarenta anos.

O Falcão, como habitualmente, ocupado com a parte material, não deixou de nos recordar o dever de ajudarmos o Seminário que se encontra em obras e de contribuirmos com quanto pudermos para minorar os seus problemas económicos. Lembrou, por exemplo, a necessidade de salas habitáveis e de louça a ser substituída. Agradeceu a presença de todos e fez votos para que aqui voltemos sempre, procurando cada um trazer mais um.

Usou depois da palavra o Maldonado Neto para lembrar a problemática das vocações, a formação moral e intelectual de muitos que por aqui passaram e, finalmente, para saudar esta casa nas pessoas do Sr. D. Manuel António Pires e Sr. Reitor do Seminário.

Falou, por último, o Sr. D. Manuel António Pires, afirmando que os seminários são o coração das dioceses; e que este é, portanto, o coração desta diocese, tendo como missão fundamental a preparação dos jovens para a vida.

Afirmou ainda que o valor do Seminário não se define pelo número de sacerdotes que lança no ministério, mas também pela preparação dos jovens a quem deverá conferir uma boa preparação humanista.

Concluiu dizendo que vale a pena manter viva a chama destas reuniões.

Terminado o almoço, para alguns foram logo as despedidas, com votos de um bom ano e a promessa de aqui nos voltarmos a encontrar para o próximo ano; para outros foi a introdução a mais uma tarde em amena cavaqueira.

E como para tudo há um fim, também aqui se chegou ao final, porque, não havendo mais nada a tratar, se lavrou a presente acta, a qual, após ter sido lida em voz alta e ratificada, vai ser assinada por mim que a redigi.

Manuel António Gouveia.

Ficamo-nos por aqui e passemos adiante.

6- Sexto Encontro – 1994

Institucionalizados que foram os encontros, de novo, no último fim de semana de Junho de 1994, coincidente com os dias 25 e 26, convergiram para Vinhais um bom número de antigos alunos. A saudade e a vontade do reencontro foram a razão da deslocação. A carta enviada pela comissão organizadora foi o chamamento próximo para o preparar da viola, o assinalar do dia no calendário e combinar com os ex-colegas vizinhos a deslocação a Vinhais. É que neste ano celebravam-se os 75 anos do Seminário. Houve cronista que anotou os detalhes e que nos contou assim o decorrer do encontro.

ACTA n.º 4

Nos dias 25 e 26 de Junho de 1994, reuniram-se no Seminário de S.José de Vinhais,cerca de setenta antigos alunos, alguns acompanhados das esposas e filhos, para mais um convívio e recordar e reviver as coisas boas e más, pois como disse o poeta,"das más fica-nos a mágoa na lembrança e das boas... a saudade". Ora é por esta saudade que nos reunimos anualmente em finais de Junho para recordar os tempos aqui passados, que continuam bem vivos na memória de todos, apesar de para alguns ser uma saudade de mais de meio século.

Durante a manhã do dia 25 foram chegando com abraços efusivos a transbordar de saudades e amizade. Amizade daqueles que ainda no ano transacto confraternizaram e reviveram outros tempos; e saudades daqueles que ainda não vieram reviver, apesar de ser o quarto ano em que damos vida à festa.

Seguiu-se o tradicional almoço onde apesar do "Deo grafias", não houve tempo para pôr a conversa em dia com aqueles que nos ficaram mais próximos.

Passámos depois ao passeio turístico numa viatura gentilmente cedida pela Câmara M. de Vinhais, tendo percorrido os locais costumeiros. Que pena não ter sido possível a nossa deslocação à Cidadelha por falta de acessos capazes a uma locomoção auto, já que as pernas e pulmões de alguns não possuem o fôlego de outros tempos»...

Apreciámos a vetusta igreja de S.Facundo, uma das mais antigas da Diocese, que se encontra em obras de restauro, obras que também necessitaria a casa brasonada dos Douteis, toda a ameaçar ruína. Deixo aqui um alerta ao vereador da cultura e ao Presidente da Câmara de Vinhais.

Antes do jantar seguiu-se ainda a pedido de alguns, mas a que todos assistiram, uma aula dirigida pelo nosso antigo professor Francisco Manuel Formariz, que substituiu a pedida aula de matemática pela apresentação e discussão aberta a todos de um texto de Kant - A Paz Perpétua e outros opúsculos pp.ll-13.Este texto fez surgir a participação da maioria dos presentes e como numa boa democracia, houve opiniões divergentes sobre o conteúdo e a interpretação do texto. E como da discussão nasce a luz, penso que todos nos saímos de Iá com a certeza de que cada pessoa pode e deve ter um pensamento próprio, mesmo podendo não agradar a todos e não ser coincidente com o do nosso próximo.

Jantamos e ensaiámos a missa do dia seguinte com o entusiasmo dos nossos tempos de infância onde as nossas vozes menos límpidas que antanho, que não a alegria nos recordaram que os anos passaram.

Depois houve o convívio, onde de novo a música dos nossos cantares e diversos instrumentos tangidos pelo Virgílio, o Martins, o Afonso Evangelista e seu filho nos foram deliciando os ouvidos. As nossas vozes já gastas juntaram-se às límpidas e timbradas dos actuais seminaristas que aos poucos e perdida a timidez inicial quiseram participar no nosso convívio. Trouxeram as flautas, tocaram, cantaram, participaram e foi com grande magoa que se recolheram para o descanso necessário.

E era mais um dia com o sol a entrar pela janela. Depois foi um refrescante banho e fomos apanhar a brisa matinal no recreio e um ou dois morangos, que nos sorriam com as suas faces rosadas quais dois querubins pendurados nos festões dos altares.

Pouco a pouco foram aparecendo. E a missa foi uma reunião espiritual de todos nós. A igreja estava cheia e sempre bonita e o Cristo do coro a abençoar-nos. Todos cantámos, uns melhor, outros pior e todos muito bem.

Após o reconforto espiritual fomos confortar-nos corporalmente no refeitório tão nosso conhecido, onde foi servido o almoço e que almoço....

Depois foram as intervenções. Começou o Falcão. Lembrou o padre Leite que não nos acompanhou nos últimos dois anos por doença.

Falou o Mário Mendes, um dos mais antigos interventores que quis jogar ao "faz de conta" e recordou os tempos de infância em que se começava o dia com o arroz de bacalhau. Recordou o "Deo Gratias" e referiu que o que mais gostava na missa era ouvir o "ite missa est".

O Albano Mesquita fez uma pequena resenha destas nossas reuniões que começaram por ser restritas ao curso de 1953, tendo falado na evolução, na maneira de estar e espirito destas reuniões. Falou no encontro de gerações em que há uma distância de mais de vinte anos entre as gerações do senhor D. Manuel e do Cón. Teixeira e a do mais novo dos presentes nascido em 1966.

Falou na confraternização e convívio e que ajudar o Seminário era ajudar-nos a nós próprios, tendo ainda declarado que o país e o distrito muito devem a esta instituição. Agradeceu ao Sr. Reitor o trabalho que tem feito por esta casa e referiu ainda que uma das coisas boas que nos aconteceu foi termos todos brincado nesta casa e serem as coisas más que temperam as coisas boas da vida.

Acabou com um apelo aos presentes, dizendo que seria bom se cada um de nos dedicasse pelo menos cinco minutos por mês a convencer os mais renitentes e a recordar aos mais distraídos este nosso convívio.

Falou em seguida o Dr. Formariz que nos confidenciou ser o seu testamento de despedida. Referiu-se a este Seminário como sendo "a nossa segunda casa mãe, santuário onde, passados vinte, trinta, quarenta ou mais anos voltamos peregrinos da saudade, romeiros da gratidão". Acentuou que a carência de bens materiais foi superada pela superabundância de valores espirituais (éticos, religiosos e culturais)" e notou haver um antagonismo de valores entre a nossa geração e a geração actual.

Disse sentir-se na dupla posição de aluno e professor, pretendendo como aluno "render a mais sentida homenagem de gratidão a todos os meus venerandos professores, que sem o mínimo de condições indispensáveis, obrigados pela força das circunstâncias até a ensinar o que não tinham aprendido, como acontecia com as matemáticas e as ciências, tanto conseguiram com tão poucos meios”.

Lembrou depois D.José Lopes Leite de Faria, os reitores, Con.Manuel Joaquim Cardoso, Con. Dr. Guilhermino Augusto Alves e Con. Manuel Jerónimo Pires. Recordou ainda diversos professores, tendo acabado por homenagear também D.Manuel António Pires.

Lembrou acontecimentos trágicos vividos na década de quarenta, quando aluno desta casa.

Na posição de professor, disse ter chegado com pouca preparação científica e nenhuma pedagógica. repetindo erros que outros tinham cometido com ele próprio e acabou dizendo:

-"Evocando a memória dos ausentes e diante de todos os presentes, assumo os meus muitos erros pedagógicos, salvos apenas pela recta intenção de sobrepor o útil ao agradável; a todos publicamente peço desculpa, a todos vos trouxe e trago no coração, porque revejo o meu triunfo nos vossos muitos triunfos..."

Falou depois o Albérico Lopes que depois de breves considerações referiu que "o móbil que aqui nos trouxe não foi fazer uma crítica destrutiva, mas uma critica construtiva e todos seremos poucos para isso...o Seminário para mim só tem virtudes e não consigo apontar defeitos a esta casa".

Referiu-se em seguida aos actuais seminaristas, tendo pedido a sua comparência porque, disse, o futuro está na juventude e acabou afirmando que seremos poucos dentro de vinte anos e talvez nenhuns dentro de trinta.

O Cón. Silvério um dos poucos sacerdotes assíduos a estas reuniões, disse não ser capaz de faltar, quando toca a reunir.

Falou nos setenta e cinco anos que esta casa completará no próximo ano como seminário e nos quatrocentos e cinquenta da Diocese.

O Virgílio propôs as datas de um e dois de Julho para a próxima reunião de 1995.

O Gouveia disse que acharia interessante que viessem muitos padres para o próximo convívio e propunha a data de um de Maio.

Teve depois a palavra o Sr.Reitor que sobre a marcação do dia para a próxima reunião, referiu ser preferível a data proposta pelo Virgílio por ser a que mais facilita, por já terem terminado as aulas nessa ocasião e haver mais disponibilidade de todos nós.

Notou estar para breve o inicio das obras de S.Francisco e anexo, esperando uma comparticipação do Governo e da Câmara Municipal de Vinhais. Referiu ainda haver perspectivas de um grande projecto de restauro do Convento e redondezas. Por isso, disse não se vão fazer outras obras enquanto houver esperança destas obras maiores.

Falou finalmente, como vem sendo habitual o Sr. D. Manuel António Pires. Findo o almoço começaram as despedidas para alguns, enquanto outros ficaram ainda mexendo o café com a doçura das amizades.

Terminámos assim com a esperança de nos encontrarmos em 1995 para comemorarmos as bodas de diamante do nosso seminário.

E por não haver mais nada a tratar se encerra a presente acta que depois de ser lida em voz alta e ratificada, vai ser assinada por mim que a redigi.

Daniel José Veleda

7.º Encontro – 1 e 2 de Julho de 1995

De acordo com a proposta do ano anterior, convocados por mensagem impressa em folha de papel convergiram para Vinhais nos dias 1 e 2 de Julho, um bom número de antigos alunos para celebrar os setenta e cinco anos da transformação do velho convento franciscano em seminário.

Alguém lembrou que devem ter passado por aquele vetusto convento, nestes três quartos de século, cerca de 5.000 jovens, cinco mil pedaços de fermento que fizeram crescer e deram sabor a Portugal.

O encontro decorreu alegre e em são convívio. Mataram-se saudades, renovaram-se amizades, reviveu-se.

Predominaram a Eucaristia de domingo, cantada a preceito, o almoço desse dia e o serão convívio de sábado. Não houve cronista deste encontro que relatasse minuciosamente todo o encontro, por isso ficamos com os traços gerais. Não podemos deixar de juntar uma poesia escrita para essa data.

BOBAS DE DIAMANTE

RECORDAÇÕES DO PASSADO E PRESENTE

I

Quando eu tinha uns 13 anos

Fui chamado ao Seminário

Acompanhado de uns novatos

Para um fim Missionário

II

Ao despertar para a vida

Juntamente com os demais

Encetamos os estudos

Nesta vila de Vinhais

III

São José como patrono

Como mestres os professores

Ser padre era a meta

Muitos saíram doutores

IV

A vida como aluno

Era dura e rigorosa

Deitar tarde, levantar cedo

Era sempre à mesma hora

V

As saudades da família

A nós todos recordava

Quantos de nós em silêncio

Até por vezes chorava

VI

Padre Paulo era o terror

Dos novatos em questão

Quantos tabefes espalhava

Com sua pesada mão

VII

Padre Varizo idem aspas

Não largava a varinha

Sempre pronta a zurzir

Nossa pobre cabecinha

VIII

Padre Brás era mestre

Em suarte musical

Os melhores escolhia

P’ra fazer o seu coral

IX

Em Bragança já barbudos

Nova vida despontava

Ter batina e cabeção

Era a meta desejada

X

Alguns lá conseguiram

Ser enfim sacerdotes

A maior parte porém

Não tiveram estes dotes

XI

Agora aqui reunidos

Nas diversas profissões

Recordamos com saudades

O tempo das ilusões

XII

Quantos outros gostariam

Distar aqui presentes

Nas as vidas de cada um

Obriga-os estar ausentes

XIII

Muitos são os que partiram

Deste mundo à eternidade

Recorde-mo-los em silêncio

Num minuto de saudade

XIV

Meus votos de longa vida

A todos aqui presentes

E que no próximo ano

Nenhuns estejam ausentes

XV

‘stamos em Bodas Festivas

Como são de Diamante

Que nos sirvam do melhor

Mas com bom acompanhante

XVI

Nós não vamos recusar

Venha lá a refeição

Como é festa à abade

Pode vir o feijão frade

E o melhor salpicão.

VINHAIS,1 e 2 de Julho de 1995

Artur Pinto Gouveia

Do curso.1941-1942

8.º Encontro- 29 e 30 de Junho de 1996

Alertados pela carta convocatória que a comissão continua a mandar, ei-los que se aprestam, para mais uma vez assinar o ponto, em mais um encontro, aprazado para o último de fim de semana de Junho, em Vinhais.

E este ano não fugiu a regra. Algumas dezenas de antigos alunos rumaram a Vinhais nos dias 29 e 30 de Junho, para mais uma vez matar saudades e reviver tempos passados da sua meninice.

E foram alegres esses dias. Sem horários a cumprir, a não ser as horas das refeições, foi um ver espreguiçar a malta pelos antigos recreios, pela quinta e ruas do velho burgo.

A cavaqueira tornava amena aquela tarde e o são convívio sarava definitivamente alguma pequena ferida ainda não bem cicatrizada.

Como foi alegre e participado o serão. Que beleza de vozes no ensaio para a missa de domingo. Se o ensaio correu bem, a missa não poderia correr melhor. A afinação foi regra sob a batuta do mestre regente.

Depois do almoço de domingo, alguns discursos. Saudade dos tempo idos. Agradecimento pelos valores transmitidos. Apreensão pelo futuro. E depois... a despedida. De todas as bocas se ouviu um esperançoso “Até p’ró ano”.

Para a posteridade ficaram apenas estas notas, já que o cronista se esqueceu de dar á estampa os apontamentos tomados.

9.º Encontro – 28 e 29 de Junho de 1997

Mais um ano e mais uma vez, avisados pela missiva que algum tempo antes é enviada àqueles que deixaram a direcção e a muitos outros de que a comissão foi descobrindo o paradeiro, rumaram a Vinhais quase todos os que nos anos transactos haviam estado presentes e mais alguns que vão tendo conhecimento dos encontros.

Não houve cronista para nos contar na íntegra tudo o que no encontro se passou, mas não andaremos fora de conta se recapitularmos o que atrás foi dito relativamente aos outros encontros. Na verdade eles vão-se repetindo no geral, mas há sempre alguma especificidade dada pelos que vão pela primeira vez. E é vê-los cheios de entusiasmo abraçando todos revivendo tempos idos e não conseguindo conter a emoção que lhes vai na alma.

Damos à estampa um soneto que nos foi entregue nesse encontro, mesmo escrito à mão. Anexo 3

10.º Encontro – 4 e 5 de Julho de 1998

Para o último domingo de Junho, dia 28, coincidente com o último fim de semana desse mês, foi marcado um referendo, por isso, após consulta de um bom número de antigos condiscípulos, a comissão deliberou alterar a data do encontro deste ano para os dias 4 e 5 de Julho.

Avisados em conformidade toda a malta alterou na agenda o dia do encontro e fizeram-se à estrada na data acordada.

Tinha uma novidade este encontro. Fora deliberado no ano anterior que os cursos à medida que completassem 50 anos de entrada no Seminário, seriam os mordomos E este ano era o curso de 1947/48 a quem cabia tal honra.

Foi uma festa e peras. O convívio de sábado participado e até às tantas, a missa de domingo uma beleza, o almoço requintado.

Houve novatos que apareceram pela primeira vez e lamentaram os anos passados sem terem participado em tanta alegria e são convívio. Mais uma vez o cronista se esqueceu da obrigação. Só perdeu quem lá não esteve.

Foi para este ano que o António Martins compôs o Hino do Cinquentenário que já foi publicado. Damos agora também à estampa, do mesmo autor, um “Rimance” escrito para este cinquentenário.

Rimance : Anexo 4

11.º Encontro – 26 e 27 de Junho de 1999

O toque a reunir deste ano, além da missiva normal foi acompanhada para os que celebravam os seus cinquenta anos de entrada no Seminário de Vinhais, de um forte apelo ao encontro.

Apelavam ao fim de tantos anos, cinquenta !- para um encontro sem complexos, recordar anos tão distantes com a serenidade e humor de quem já foi ensinado pela vida a compreender gestos e palavras, violências e incompreensões.

Foi neste espírito que mais uma vez grande número de antigos alunos rumaram a Vinhais. E foi vê-los mais um ano reviver tempos antigos, matar saudades dos locais de romaria e conviver com aqueles que, quando meninos, foram seus companheiros. Foi um bom grupo que neste ano acorreu a Vinhais e soube alegrar os dois dias do encontro cantando e convivendo.

Ficamos por estas parcas palavras, mas dá para se ficar com uma ideia do muito que nesses dias se viveu.

12.º Encontro – 24 e 25 de Junho de 2000

Partiu apelativa a convocatória de mais um encontro e foi agradável a resposta de muitos dos convocados. E digo muitos porque foram muitos os que compareceram. A missiva tem mais a finalidade de auxiliar de memória daqueles que se esquecem de anotar na agenda o dia do encontro. Ela tornou-se um hábito e mesmo os indefectíveis a esperam com ansiedade.

E ela surgiu e convocou. Apareceram os que quiseram e se sentem bem nestes dias de reviver o passado.

Correu de maneira agradável o encontro. Tal como o prometido o grupo “CANTORUM ET TANGENTORUM” deu brado. No restante como de costume. Os chícharos com o fiel amigo voltaram a estar presentes. Presentes estiveram também a alegria do reencontro e o reviver de recordações.

13.º Encontro – 30 de Junho e 1 de Julho de 2001

Não foi apenas por carta que se fez a convocatória, mas também por notícia no jornal. Em meia dúzia de linhas se exprimiu um sentimento de alegria que percorre os encontros e daí um apelo para o reencontro. A carta, como não podia deixar se ser, foi a campainha que alerta.

Decorreu animado mais este encontro. Animado e colorido.

14.º Encontro – 29 e 30 de Junho de 2002

O facto de os mordomos, os que completam 50 anos da sua entrada no Seminário, animarem os encontros, tem feito que eles sejam conhecidos cada vez mais por antigos alunos e criarem em muitos deles vontade de estarem presentes. Foi o que aconteceu mais uma vez. Foi rija a festa, animados os repastos, são o convívio, manifesta a alegria e a promessa de estar presentes enquanto Deus quiser.

15.º Encontro – 28 e 29 de Junho de 2003

Mais um ano decorreu e mais uma vez a convocatória feita pela comissão dita organizadora se fez presente através da carta convocatória.

E foram muitos que responderam à chamada e nos dias indicados rumaram a Vinhais. Aí houve mais uma vez festa, alegria, reencontro. Era o reviver de anos passados e o recordar de tropelias em comum, de silêncios cúmplices e de correrias escapatórias. Um encontro de antigos companheiros de jornada.

Mais uma vez o Martins nos brindou com uns versitos sobre a sineta. Aqui ficam para todos.

O PESADELO DA SINETA

Ainda o quente Sol está dormindo,

Nos ninhos nem sequer um roçar de asas;

A névoa anda gelada 'inda aspergindo

As telhas das silentes frias casas;

Conchegadas nas palhas dos currais

Nem se mexem as tenras ovelhinhas;

Nos poleiros escuros dos quintais

Nem os galos ensaiam as matinas;

Deixam os pais dormir tranquilamente

As crianças nos berços bem quentinhas,

Até que o Sol os chame docemente

P'Ias frinchas das janelas sem cortinas;

Brilham 'inda no Céu àquela hora

As nervosas estrelas prateadas,

A espera de fugirem quando a Aurora

Desenhe meigamente as cumeadas,

Quando - horribile dictu!- um som feroz,

Gelado, acutilante, pertinaz,

Nos fere ouvidos, alma, corpo, atroz

Coroo se fosse a voz de Satanás!

Soltava-se esse som tão furibundo

Dum singelo instrumento— uma sineta,

Mas com poder tonante fino e fundo,

Capaz de enfurecer um santo asceta!

Só o Demo a podia assim fundir:

Liga de bronze e raiva enriquecida.

E tão forte era e frio o seu tinir,

Que, decerto, não fora ela benzida.

Como vulcão que explode inopinado

Na serena montanha adormecida

E atira para o ar, endiabrado,

Pedras e lava em fúria desmedida,

Assim as calmas camas expeliam

Troncos, braços e mãos, tolas rapadas

(As pernas não, porque essas só saíam

Com as calças vestidas e abotoadas)

No bulício, rangiam ruidosas

As armações das camas rabugentas,

Tal qual mastros de naus, em furiosas

Vagas e ventanias nas tormentas.

Ainda mal refeito este acordar

Escuro, cruel, brusco, violento,

Muito a custo se ouvia murmurar

Um "Deo gratias" rouco e sonolento.

A fera da sineta, essa malvada,

Impunha o levantar fero e revolto,

Na hora em que a Natura descansada

Dormia, até ser dia, a sono solto !

Tal era a minha raiva à tal sineta,

Que, certa noite, tive um pesadelo:

Esmigalhava o monstro à picareta

E ria de prazer em desfazê-lo !!!

Transpirava mas não dos cobertores

De papa e das ceroulas de flanela.

A causa da excreção dos meus suores

Estava em tanto esforço a bater nela!

Olhava envaidecido a caçaria

Quando senti um travo de amargura»

Tal qual como ao soldado, na ufania

Da vitória, o invade ima tristura.

Temendo-me instrumento do Diabo,

Antes da missa fui-me à confissão

P'rã aliviar este ódio destemp’rado

Que me roía infrene o coração.

E disse o Padre: “Tens de compreender:

Tudo aqui está talhado a moldar almas.

Por isso, dócil, tens que obedecer

As ordens da sineta, apito ou palmas...

Muita gente abomina esta sineta,

Eu mesmo, mas não posso declará-lo...

Não foi bom desfazê—la à picareta...

Com jeitinho... roubavas-lhe o badalo...

E, no momento pio e humilhante

Em que esperava a santa absolvição,

Tine a cruel sineta delirante

A gargalhar da minha humilhação!!!

Como se me empurrasse um furacão,

Salto da cama e fico, num repente,

Em pé, a soluçar, calças na mão,

Um "Deo gratias" rouco, inconsciente.

16.º Encontro – 26 e 27 de Junho de 2004

Este era o nosso encontro. Celebrava-se neste ano o cinquentenário de entrada no Seminário de Vinhais daqueles que lançaram a ideia dos encontros. Eram eles os mordomos este ano. E quiseram fazer festa e fizeram-na. Foi bom o número de condiscípulos presentes.

A convocatória foi como habitualmente geral, mas incluía também uma outra especial mais restrita para os do ano. Utilizaram-se as novas tecnologias de SMS pelas TVs, badalou-se o encontro. Resultado um bom número de presenças.

Não desmereceu no restante. Os repastos requintados, o sarau empolgante, a eucaristia vivida. Houve reencontro.

Para esse encontro uns versinhos de um deles.

E aqui têm, do Gouveia, porque, assim de repente, lhe veio a veia:

"Já lá vão cinquenta anos.

Cinquenta anos lá vão.

E desses cinquenta anos

Quantos de nós por cá estão?

Essas contas não se fazem,

Que nos deixam a pensar

Numa infinita saudade

Impossível de aceitar.

Contudo, estando presentes

No fim de Junho, em Vinhais,

A saudade ir-se-á embora

Para não voltar cá mais!

Bem gostaríamos todos

Que todos viessem bem

P'rã podermos divertir-nos

E recordarmos também.

Recordarmos tantas coisas

Da nossa infância vivida

Entre graníticos muros,

Entre muros consentida.

A pelota, a bola, o eixo,

Nos recreios alternando.

O balão do Santo António,

Lá no alto, a arder, voando.

As vezes, com apetrechos

Bem pobres e improvisados,

Jogávamos hóquei em campo

Até ficarmos cansados.

Outras vezes, voleibol.

No "spiribol, a saltar.

Pelotada, se era Inverno,

Na branca neve a reinar.

À merenda, o pão centeio,

Entre as filas a passar,

Convidava o jarro d'água

P'ra nos serem bom manjar.

As nogueiras davam sombra

As videiras sombra davam.

Mas ... morangos e cerejas

Longe de nós repousavam.

Da lâmpada à fraca luz,

À noite, na rouparia,

A confusão era grande:

Mal se andava e mal se via.

Em Vinhais, no claustro, às vezes,

Duro granito mediamos,

Quando, em grandes correrias,

Nele com a testa batíamos.

Em Bragança, era o jornal

Que acolhia as nossas vozes.

Mas, por tanto refilar,

Lá foi o jornal às nozes.

Nas nozes e nas cerejas,

Raro pusemos as mãos

Para sermos, no futuro,

Homens rijos, homens sãos!

Nós mijávamos na cama

Por duas razões, assim:

Os penicos tinham furos

E o Inverno era ruim.

Outras vezes eram sonhos

De princesas a reinar

Por ali nos encontrarmos

E não lhes poder chegar.

Se calhar, muit'outras vezes,

(Com carácter mais real),

Seria ou não a ansiedade

Que, às tantas, fazia mal?

No Inverno, o frio era tanto

Que nem a capa chegava.

E até os queixos batiam,

Se a gente se descuidava.

Se o Inverno era mais duro,

A água nos canos gelava.

E então, nessa vida fria,

As caras ninguém lavava.

Dias amargos vividos,

Se era corte de cabelo.

É que o barbeiro cortava

Tanto o couro como o pelo.

Dias amargos vividos

Longe da nossa mãezinha!

Almas plúmbeas, almas tristes,

A tristeza nos sustinha.

Enquanto alguns com azeite

Puro os chícharos regavam,

Outros aqueles comiam

Com a água em que os escaldavam.

Às vezes, se representam

Uns momentos de alegria

Quando a malta, após suar,

Com outros, no palco, ria.

O Deo Gratias\ Também

Era um momento feliz.

Assim como algum passeio,

Que é como o outro que diz ...

Havia os habilidosos,

Os refílões, os calados,

Os estudiosos, os maus...

Os santinhos, os pasmados.

Havia quem não soubesse

O que andava ali a fazer.

Mas também havia aqueles

Que padres queriam ser.

São José, nosso patrono,

Do alto nos amparava;

A Mãe de Deus nos sorria

E o reitor nos vigiava.

Em Vinhais demos entrada

E por Bragança saímos

Quase todos. E houve alguns

Que mal fomos, mal nos vimos.

No entanto, perdurou,

Nestes anos a amizade

Muito forte, muito firme,

Que há-de amparar a saudade.

Que há-de amparar a saudade.

Quem melhor do que a amizade

Em nossas almas sentida?

Unamos numa só voz

A voz de não sermos sós,

A voz que a nós dará vida.

A minha versão sobre A Cabra

Berra A Cabra ardentemente,

Nas manhãs frias de Inverno,

Enquanto alguém, lentamente,

A vai mandando p'ra o Inferno.

Berra A Cabra de repente,

Num berro súbito e eterno,

Para acordar toda a gente

Dum sonho calmo e fraterno.

Se A Cabra assim não berrasse,

E a nossa testa beijasse

Sorrindo como quem ama,

Nenhum de nós lembraria

Tanta impune berraria

Que nos roubava da cama!

17.º Encontro – 25 e 26 de Junho de 2005

Mais uma vez a missiva lembrou aos assíduos frequentadores destes encontros os dias em que se realizaria. Mas não só os habituais frequentadores. Apareceram também alguns que dos encontros ainda não tinham conhecimento.

E como foram emocionantes os primeiros momentos. O correr à sala de estudo e descobrir onde foi o lugar da sua carteira, à camarata e... “era aqui o lugar da minha cama”, e o reencontro de velhos condiscípulos e companheiros.

Houve os chícharos com bacalhau, agora regados com fino azeite, o sarau com fados e guitarradas no bar onde fora a antiga adega, a Eucaristia, o almoço e as saudações.

Foi aqui que um dos novos nestes encontros, hoje em lugar de destaque no ordem jurídica deste Jardim, em breves e elegantes palavras entreteceu uma teia de recordações condimentada com incontida emoção.

Por fim, ao sol quente da tarde e após o café tomado debaixo das tílias, começou a “até p’ró ano, se Deus quiser”.
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