
Quando descia aquela escadaria,
Palpitava em mim uma ânsia incontida,
Um frenesim de chegar,
De transpor portas
E rever pedras e espaços
Que, um dia … também foram meus.
Mas descia devagar
Para não melindrar o encantamento
Da chegada,
A emoção do abraço
Que, mentalmente,
Iria dar-lhes,
Olhando-os demoradamente,
E sentindo uma lágrima
A querer aflorar.
E transpunha os umbrais
Pedindo licença a personagens invisíveis,
Recordações vivas de um passado
Que foi meu e não volta…
- Entra… que esta casa é tua!
Parecia-me ouvir…
E entrava,
E caminhava por aqui e por ali,
E percorria todos os recantos
Que melhor me faziam recordar
Os tempos de menino.
Estava tudo igual,
Sempre igual à imagem longínqua
Que na mente me ficou.
Mas agora não.
A realidade que era… desmoronou-se
E onde havia recreios murados
Há serventias públicas
E onde a horta verdejava
E as videiras frutificavam…
Passa uma rua que divide a Cerca.
A Cerca deixou de ser,
O Seminário deixou de ser…
E até eu deixei de ser
O romeiro sonhador
Que, ano após ano,
Ansiosamente esperava
Por aquele dia de sonho
Em que, de novo,
Haveria de descer a enorme escadaria.
Já não desço devagar,
Nem entro à espera das emoções
Que antes me invadiam.
Tudo aquilo mudou de traço
E só me alivia do embaraço
que sinto cá dentro,
O encontro de muitos meninos do meu tempo
Esperando de mim e eu deles
Um fraterno e longo abraço.